domingo, 15 de abril de 2012

Vem

Chega assim
Sem pedir licença
E aos poucos ocupa todos os espaços
Os epaços das xícaras, dos lenços, dos lençóis, das bolsas, dos bolsos, dos pensamentos
Chega assim
E me toma
Toma conta, toma para si
Minha essência, meu sossego, meu silêncio

[Karina Pereira Florêncio]

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Toca...

Toca...
Toca de verdade a pele que transpõe todo sentimento.
Sentimento que ultrapassa os corpos.
E se alimenta do toque.
Quantas vezes em transe se entregou?
Corpo, alma, energia...
Funde, confunde por inteiro...
Vozes...
Um instante depois silêncio.
Cala, Afaga, acalenta...
Ama, deseja...
Até deixar pairar.
Apena deixar...


(Karina Pereira Florêncio)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Fique longe...

Não consegue ver por trás dessa vidraça?
O que tem dentro é tão denso, tão triste tão escuro.

As silhuetas se movem como em uma coreografia insana.
Que sons são esses em sua mente?

Vai tomando forma e se alastrando.
Até tomar tudo com desespero.

Falta luz... Os olhos estão fechados... Ainda continuam fechados.
Falta ar... Respira... Ainda falta ar.

Escuta, o que consegue ouvir?
Toca, o que consegue sentir?

A chave está em meio ao turbilhão... encontre...
Será ela que abrirá a porta para a liberdade.

Para então, finalmente respirar sem dor.
Finalmente, pensar sem enlouquecer.


(Karina P. Florêncio)

sábado, 29 de janeiro de 2011

Deus meu eu vos espero, Deus, vinde a mim, Deus, brotai no meu peito.
Eu não sou nada, e a desgraça cai sobre minha cabeça e eu só sei usar palavras e as palavras são mentirosas, e eu continuo a sofrer - afinal o fio sobre a parede escura -.
Deus, vinde a mim e não tenho alegria e minha vida é escura como a noite sem estrelas e Deus, porque não existes dentro de mim?
Porque me fizeste separada de ti? Deus, vinde a mim, eu não sou nada, eu sou menos que o pó e eu te espero todos os dias e todas as noites.
Ajudai-me, eu só tenho uma vida e essa vida escorre pelos meus dedos e encaminha-se para a morte serenamente e eu nada posso fazer e apenas assisto ao meu esgotamento em cada minuto que passa.
Sou só no mundo, quem me quer não me conhece, quem me conhece, me teme e eu sou pequena e pobre.
Não saberei que existi daqui a poucos anos.
O que me resta para viver é pouco, e o que me resta para viver, no entanto, continuará intocado e inútil.
Porque não te apiedas de mim, que não sou nada?
Dai-me o que preciso.
Deus, dai-me o que preciso, e não sei o que seja, minha desolação é funda como um poço e eu não me engano diante de mim e das pessoas.
Vinde a mim na desgraça e a desgraça é hoje, e a desgraça é sempre.
Beijo teus pés e o pó dos teus pés.
Quero me dissolver em lágrimas.
Das profundezas chamo por vós, vinde em meu auxílio que eu não tenho pecados.
Das profundezas chamo por vós.
E nada responde e meu desespero é seco como as areias do deserto e minha perplexidade me sufoca, humilha-me, Deus, esse orgulho de viver me amordaça - eu não sou nada -.
Das profundezas chamo por vós.
Das profundezas chamo por vós.
Das profundezas chamo por vós.
Das profundezas chamo por vós.
Não, não, nenhum Deus, eu quero estar só.
E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente, seguramente, inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento.
Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro!
O que eu disser soará fatal e inteiro.
Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante; sempre fundido, porque então viverei, só então serei maior que na infância, serei brutal e mal feita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas.
Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a compreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá o meu caminho até a morte sem medo de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.


(LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem.)

domingo, 6 de junho de 2010



"Eu só acreditaria em um deus que soubesse dançar.
Apenas na dança eu sei como contar a parábola das coisas mais elevadas.
Aqueles que eram vistos dançando, eram tidos como insanos, por aqueles que não conseguiam ouvir a música.
Dou como desperdiçado todo dia em que não se dançou.
Dançar em todas as suas formas, não pode ser excluído do currículo da educação nobre.
Dançar com os pés, com idéias, com palavras e preciso acrescentar, que se deve dançar com a caneta".
 

(Nietzsche)